sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pessoal e Intransmissível

escrito em 15 de Janeiro de 1928. dia curioso na minha existência.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(...)


Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

(...)


O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).

Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu. Álvaro Campos

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Transgermânico III (the last but not the least)

rise and shine!

está a vibrar! o meu bolso! olho para o relógio de parede do Bombay Bar. saio apressado para a rua. abrigo-me sob a ombreira de uma porta qualquer. entre palavras desembrulho os dois pacotes que viajavam na minha algibeira desde Den Helder. pela primeira vez passo o meu aniversário sozinho num pais estranho. sinto-me verdadeiramente do mundo.

segunda cena de pancadaria provocada pelo álcool. para mim basta! ainda saio pela janela sem ter feito qualquer casting para este filme.

abandono a festa. pé na estrada que o metro já abriu.

percorro as ruas procurando, reconhecendo as montras, encontrar o caminho de regresso à estação do metro onde desembarquei horas antes. Uuuppsss! era suposto a porta abrir. boa! são 03h51m e estou sozinho numa rua escura, à porta do metro - zavřeno! a ideia de caminhar tranquilo por estas ruelas como se para o trabalho me dirigisse está a tornar-se emocionalmente díficil. good evening! Is the station closed? o velhote que do outro lado do passeio varria a rua responde-me num dialecto completamente indecifrável. não vai ser fácil mas vamos conseguir comunicar. esforça-te! entre gestos e palavras desconhecidas para ambos chego à conclusão que na próxima tranversal existe uma paragem do eléctrico que me pode levar até à estação dos comboios. agradeço a colaboração. o velhote despede-se com um sorriso fraterno e um toque paternal no braço.

deve ser aqui! porra! que mania de sair na estação anterior. mais estradas abandonadas entre chaminés industriais que pintam em tons cinzentos os meus maiores pesadelos. caminha à frente do medo que ele acabará por te abandonar.

não acredito!!! o meu comboio não parte desta estação mas sim da estação central de Praha. mas porquê?!?!?! corro para o metro, agora já a funcionar e encontro-me com um daqueles bandos de turistas asiáticos que nos deixam sempre mais relaxados. se houver confusão eles são mais do que as mães e a coisa há-de ficar por ali.

entro no metro seguido de uma figura que me desperta a atenção pela passividade assertiva do olhar. encosto-me à porta. afinal são só três paragens. a figura interessante aproxima-se de mim. num gesto discreto mostra-me um crachá. ok?! à paisana já percebi que estás. polícia? SEF? passport não disseste. ok! só podes ser o revisor. confiante mostro-lhe o bilhete. olha para mim. aceita o papel que lhe dou e... tick-tick! é o pica! ufa! estes tipos não perdoam. 05h10m. primeiro metro do dia. pica à paisa. vida dura esta!

toalety! a pagantes como costume por estas bandas. lavo a cara e as mãos. reparo que se pode tomar banho nesta estação. aluga-se toalha (ou não) e por poucas coroas podemos lavar e aquecer o corpo. bem bom para quem anda de mochilão às costas e está só de passagem. fica para a próxima.

lugar reservado. tranquilo. vou aproveitar para dormir enquanto o sol não nasce. o olhar mafioso aterrorizou-me. no meu camarote. no lugar por mim reservado estão dois arianos espadaúdos. trancam a porta com violência tal que instintivamente levanto as mãos em sinal de paz. recuou sem perder o olhar. entro num camarote vazio algumas portas ao lado. porta trancada. ar quente no máximo - a única opção. ligeira abertura da janela. ainda sufoco com o calor. corpo relaxado q.b. sobre o banco. fecho os olhos e adormeço.

truz! truz! truz! ainda não me levantei já a revisora me entra pelo camarote dentro. bilhete verificado. avisa-me que o comboio não segue até Cheb. é preciso uma ligação de autocarro que demorará cerca de meia hora. maravilha!!! querias aventura? então ai tens! meia hora no meu meio de transporte favorito com as estradas nas melhores condições possíveis... geladas! se sobreviver juro que volto aqui. juro!!!

o comboio parou. está na hora de sair. jamais esquecerei esta imagem. todos em coluna, ao longo dos carris, por um entre dois comboios imóveis. o meu horizonte são os calcanhares da idosa que sigo. o fumo da respiração dissipa-se no ar gelado. estou a caminhar para o meu fim. já vejo a luz ao fundo!!! estou no mais profundo checo! lindo!

Cheb. finalmente. de uma carruagem estilo marroquino passo para um comboio avant garde! um funicular que transpõe a fronteira e me entrega aos alemães. confesso que o sentimento de concretização me invade. venci todos os medos e estou a ter uma das melhores experiências interiores da minha existência.

como é que é possível o ICE chegar atrasado. acabo de perder o comboio de ligação. onde são as informações? está resolvido. apanho um suburbano de ligação. que melhor maneira de me embrenhar nos costumes locais. viajar entre aqueles que regressam a casa da escola e do trabalho. maravilhoso!

pelos cartazes publicitários apercebo-me que entro agora de novo nos Países Baixos. combino o encontro em Eindhoven. desce as escadas. abraçar alguém tão querido depois de todo este tempo é mágico. welkom amigo! obrigado!

chegamos a Tilburg! como é que sabes qual é a tua bicicleta? no meio da multidão de pedais lá está ela. a primeira bicicleta genuinamente holandesa em que viajarei. sento-me no monta cargas e sigo guiado até ao supermercado. é preciso comprar os géneros e o vinho para o nosso jantar.

banho. as melhores bolachas holandesas. jantar. vinho. chá. uma representação autobiográfica simplesmente maravilhosa. butoh. conversa em dia. pé no pedal. -2ºC! o windchill torna-me as extremidades insensíveis ao toque. o maior edíficio habitacional da Holanda! repito o itenerário do comboio pela enésima vez. combinado o próximo jantar. um abraço prolongado. o olhar brilhante. sigo para norte que o caminho ainda se faz.

Amsterdam! this train goes to the airport? yes! desculpa?! és portuguesa?! sou! estás a ouvir Bossa AC não é? o altifalante do telemóvel denunciou-te. três dedos de conversa. destino: Lisboa ou.... Den Helder!

último troço... Alkmaar-Den Helder. estou quase de volta.

(your eyes only... muito obrigado amigo! sabes bem o que significou para mim estar contigo neste dia! take care!)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Transgermânico II

temes o desconhecido pois o vazio não é natural.

Dresden! última grande urbe alemã. Se Praha estiver tão fria, eu é que não durmo na rua!

com o frio a bateria da minha velhinha Pentax descarregou num ápice. imprevistos que se podem bem prever. may i charge this here? parece retórica. a resposta do barman férreo resumiu-se a um mono sílabo que entendo ser... não! se bem me lembro o primeiro comboio tinha tomadas eléctricas junto às janelas, na segunda classe. também já estou cansado do bar mesmo. voilá!

vejo as primeiras ruínas de beira de linha. é esta a minha imagem do leste europeu. cicatrizes da guerra e da instabilidade social.

seleccionar rede? VODAFONE CZ!

praha holesovice! meu Deus. os olhares perdidos aterrorizam-me o corpo. sinto o sangue fugir-me do peito. simpático ou parasimpático? um dos dois vai tirar-me daqui! 26 koruna! m....! Euro só nas tabancas de câmbio. arggghhhh! ATM! a solução ou o início da fuga em frente. são 22h e estou na estação mais assustadora que alguma vez pisei. e ainda por cima tenho que levantar dinheiro. as fatias do queijo começam a alinhar-se. só espero que aqui o ratito não esteja do outro lado, à espreita, quando dispararem.

coroa checa nas unhas. bilhete do metro na mão. deixo a escadaria para o sub mundo checo. mas o que é isto! estou em Londres. no meio do vazio social surge um tube de padrões britânicos. e a gente passou de besta a bestial num iato emocional.

isto é dislumbrante! staromestske namesti! o relógio astronómico! ouço as badaladas e espero como tantos outros pacóvios turistas pelo movimento perpétuo. na língua que todos entendem, gesticulo para a mulher dos cachorros quentes. last time! nine o'clock! okapa! estou literalmente a olhar para o boneco. não se vai passar nada até amanhã de manhã.

procuro nas portas qual o bar onde pernoitarei. perco-me na cidade como é apanágio. reencontro-me num casal de polícias que me indicam a ponte.
karluv most! qualquer semelhança entre Praha e Coimbra... não é pura coincidência. troca-se vltava por mondego e o castelo pela universidade.

atravesso enconstado à linha de meia ponte. à agua parece gelada e o ambiente cada vez mais escuro. foto na outra margem. segundo objectivo alcançado.

regresso à praça. falta encontrar um bom lugar onde passar as poucas horas que me restam até ao próximo comboio.

greetings? you know? it's normal! juro que não estou a entender. apenas perguntei a este taxista onde fica uma rua. estou quase a ser espancado. por não o entender espero. faz um esforço. greetings? só pode estar a referir-se às expressões de cortesia. não posso acreditar que queira grojeta por me indicar um rua. sorry! good evening?! yes! good evening! I truely don't understand you! sorry! I'm really sorry! por entre dentes lá me indicou a rua e eu lá percebi que nunca mais me aventuro sem conhecer bem as expressões de cortesia do pais visitado. no mundo árabe já me tinham dado jeito mas parece que não interiorizei a lição. foi por pouco.
bombay bar! open from dust till dawn! nem por acaso. fico por aqui que o som agrada-me e a gente é gira!

faltam menos de duas horas alfacinhas para completar 29 anos. estou sozinho em Praha. para o próximo ano entro nos "nta". melancolia suburbana barata à parte. venha o cálice do Porto.

Transgermânico I


não hesites! só tens que dar o primeiro passo. o resto do caminho vai-se descobrindo.

objectivos:
1. brandengurger tor
2.karluv most
3.tilburg

sempre de comboio...

levo no bolso o Frommer's, o Boorman, água, as línguas de gato do engenharias e claro as prendas.

apanho o primeiro comboio para Amsterdam, troco ai para o intercidades com destino a Berlin. primeira dúvida. no meio desta confusão toda será que apanhei o comboio certo. ainda vou parar à Mongólia.

Amersfoort?! Dasse!!! A ticketgirl devia ter-me avisado que precisava de mudar de machibumbo. Linha 2?! Ruuuuuuunn!!! espero que não hajam mais transbordos inesperados.

primeiros alvores... Apeldoorn! apercebo-me da beleza da paisagem. sinto agora que me afasto de casa e me aproximo do desconhecido.

Hengelo! última paragem antes de entrar na Alemanha. passport, please! controlo fronteiriço? mas não estamos na UE?! telefonema para aqui, telefonema para ali e a coisa segue sem problemas.

passo Hannover. concluo que a Alemanha está coberta de um branco lindíssimo!

duty free?! um ganda bigodes empurra o carrinho do café e do chá. já vi aeromoças mais engraçadas!

lá está ela! a antena de televisão, um dos marcos da cidade. aproximo-me de Berlin a galope.

atravesso os jardins gelados do Reichstag... com cautela pois quero chegar a Praha inteiro.

sigo as placas. fotografo a Porta. primeiro objectivo alcançado.

desço uns quateirões. a multidão denuncia o local.

BERLINER MAURER, 1961-1989

somos capazes de tudo.

percorro os cantos do que resta do muro e sinto um nó apertado no peito. a atmosfera, apesar de muito turística, é pesada. toca-se o sofrimento de outros tempos. afinal não foi assim há tantos anos. eu já era nascido. sou testemunha.

de volta à estação espero pelo próximo comboio com destino a Praha. tenho lugar reservado... numa carruagem que não existe. para já sigo no bar. quando me cansar logo se vê.

domingo, 4 de janeiro de 2009

There's probably no God. Now stop worrying and enjoy your life!


toda esta nossa conjuntura talvez nos re-centre no essencial. poucos são os materiais realmente importantes para o Homem. afinal de contas, "nem só de pão vive o Homem"!

ateus ou não, vale a pena pensar nisto... "The Humanist view of life is progressive and optimistic, in awe of human potential, living without fear of judgement and death, finding enough purpose and meaning in life, love and leaving a good legacy."