Mal saio para a rua reparo num papagaio perdido cujo padrão colorido me traz à memória a manchete de um jornal lido ontem na banca da esquina. "Igreja abandona as Noivas de Santo António". Será o medo de casar aqueles que por estas travessas bairristas livremente demonstram o seu afecto?
Desço a Rua das Gáveas e viro na Travessa da Espera. Pergunto-me se não chove nesta cidade. Se tal acontecer onde se abrigam os veraneantes? Debaixo das varandas inexistentes?
Procuro fugir ao Fado e às cozinhas típicas portuguesas que apenas o são para turistas embriagados com a melancolia nostálgica da nossa cultura. Oiço pela janela de um restaurante italiano o sopro do Jazz. Cruzo-me com um Woody Allen português de óculos de massa e cigarro no canto do lábio. Sigo pela Travessa dos Fiéis de Deus onde sinto o peso de uma cultura judaico-cristã presente em quase todas as ombreiras de porta. Olho em frente e desaguo na Rua da Misericórdia. Guiado pelo Tejo pergunto ao Poeta qual o melhor local para me saciar entre lisboetas quotidianos. Sigo o seu olhar e dirijo-me para os Armazéns.
"-Passado o Carnaval acabou!" Apregoa o homem das castanhas que perfuma o ar de uma dessas esquinas.
Entre pombos que entretêm crianças na esplanada e estátuas que decoram fotografias cruzo-me com um casal chino recentemente assediado por um Relações Públicas de um restaurante de arcada. Seguimos juntos na calçada até à porta dos agora cosmopolitas Armazéns do Chiado.
Desço ao esgoto da cidade. Haverá sempre espera na toilette feminina. Recordo o preço que paguei para satisfazer a base de Maslow, protegido do vento gélido berlinense faz precisamente um ano. Emergo à restauração. Ao fundo a Universal Hamburgueria. Igual a si própria. Factor de escala perfeito para melhor compreender a projecção no Mundo do Mundo de cada cultura e povo. Cruzo o olhar com um corpulento homem, que há minha frente degusta o poder refrescante do amrit americano. Isolado na sua esfera i-pódica partilha comigo a solitária refeição, dissolvidos entre colunas, onde "Prevenir está nas suas mãos" e ao alcance de uma gota de desinfectante viral.
O creme de cenoura tem um tempero especial. Talvez por ser das poucas fugas possíveis, a uma gastronomia predominantemente carnívora, que um comensal vegetariano pode seguir.